Exclusivo Vasco Rocha: criador do Moçambique Fashion Week revela os segredos por trás de 20 anos de sucesso na moda africana

 No ano em que o Moçambique Fashion Week celebra duas décadas de existência, Vasco Rocha, o diretor do evento, pela primeira concede uma entrevista em Angola, à revista PITXOS E PITXAS Lifestyle, abrindo assim as portas dos bastidores, para contar a trajetória por trás desse marco na história da moda em África.

Exclusivo Vasco Rocha: criador do Moçambique Fashion Week revela os segredos por trás de 20 anos de sucesso na moda africana

De nacionalidade portuguesa e licenciado em Informática Aplicada pela Universidade Portucalense, Vasco deu início à sua carreira empresarial formando pessoas em empresas e no Instituto de Formação Profissional. Com experiência em empresas portuguesas, nomeadamente; o Montarroio S.A. e Sonicel S.A., onde lidou com marcas renomadas como Panasonic, Technics, Rolls Royce, Bentley, Lotus e Hyundai, o empresário, após quase uma década de conquistas, sentiu a necessidade de um novo desafio.

Foi então que, numa viagem com um amigo, descobriu Moçambique e apaixonou-se à primeira vista pelo país devido à sua cultura envolvente, às pessoas acolhedoras, praias deslumbrantes e uma culinária irresistível. A partir desse momento, o empresário percebeu que poderia contribuir para a história de Moçambique e para o seu crescimento. Assim, começou uma nova aventura ao fundar a empresa DDB Moçambique (uma Agência de Comunicação, Publicidade, Marketing e Eventos).

Exclusivo Vasco Rocha: criador do Moçambique Fashion Week revela os segredos por trás de 20 anos de sucesso na moda africana

Ao longo de 24 anos, a agência tornou-se uma referência em Moçambique, gerenciando a comunicação de grandes marcas e desenvolvendo eventos de destaque, como o Moçambique Fashion Week, Moçambique Music Awards, Faces, Melhores Marcas de Moçambique e Mamanas, entre outros.

Vasco Rocha, movido pela paixão que tem por Moçambique, contribuiu significativamente para o cenário da moda moçambicana, marcando assim um capítulo importante na história do país e do continente africano ao criar em Dezembro de 2004 o Moçambique Fashion Week.

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PEP- Como começou a trajetória no mundo da moda e o que o inspirou a entrar nesse sector?

VRDesde sempre nutri uma paixão ardente pelos eventos, pela arte de criar experiências e pelo dom de arrancar sorrisos de contentamento dos rostos das pessoas que os frequentavam. Os eventos de moda, esses, eram uma espécie de espetáculo à parte. Não só conseguiam pintar sorrisos nos lábios, mas também arrancavam expressões de genuína admiração à medida que cada peça desfilava, contando histórias únicas para todos os presentes.

Apesar de sempre ter mantido uma simplicidade no meu próprio estilo de vestir, sempre admirei e continuo a admirar as diversas formas de expressão que tantas pessoas manifestam através da moda e do seu modo de estar. Acredito, sem sombra de dúvida, que a moda é uma força transformadora na sociedade, uma voz crescente que sensibiliza para as problemáticas que atravessam os nossos dias.

Foi por todas estas razões que decidi mergulhar de cabeça neste universo intrigante, num mundo onde os “egos” podem crescer desmesuradamente, mas que ao mesmo tempo é impulsionado por uma competição feroz e por uma criatividade que não conhece limites. Um mundo que gera oportunidades de emprego para jovens talentosos, abrindo portas para um futuro brilhante e colorido.

PEP- Qual foi a visão por trás da criação do aclamado evento ‘Moçambique Fashion Week’? Como enxerga a evolução do evento durante 20 anos?

VR: Bem, e quanto à visão? Pois bem, ela não surgiu logo no início, mas sim depois de termos realizado o nosso primeiro evento. Na altura, o MFW (Moçambique Fashion Week) fez a sua estreia em Inhambane, a uns belos 480 quilómetros de Maputo. Foi parte de um projeto de verão chamado “Sama Time,” patrocinado pela operadora de telemóveis Vodacom, que incluía uma série de atividades, e o MFW era uma delas. Isto aconteceu nos últimos dias de dezembro de 2004.

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Imagina levar cerca de nove estilistas, uma dezena de modelos, a imprensa e uma logística enorme para realizar este evento pioneiro. Como algo completamente novo em Moçambique, o MFW atraiu uma multidão de pessoas de todas as partes do país, que aproveitaram as férias de fim de ano para juntar a praia, a festa e assistir ao primeiro evento de moda a sério em Moçambique.

O impacto foi incrível, com todos os lugares esgotados todos os dias, um ambiente incrível, pessoas deslumbrantes vestidas a rigor, e claro, os after parties que eram de arromba. Quando regressámos a Maputo, avaliámos tudo isto e foi aí que a visão para o evento começou a ganhar forma. E, de certo modo, essa visão ainda se mantém até hoje, embora tenha sofrido algumas pequenas alterações ao longo dos anos.

No seu âmago, o MFW sempre quis mostrar um Moçambique vibrante, jovem, inovador, criativo e culturalmente rico. O MFW seria o elo de ligação entre o turismo, a gastronomia, a história, a cultura e o desenvolvimento, demonstrando ao mundo que Moçambique não é apenas um país que pede ajuda, mas sim um país com um incrível potencial criativo e ofertas em todas as áreas para o mundo.

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Dito isto, depois de definirmos o evento como essa charneira para mostrar Moçambique ao mundo, realizámos a segunda edição do MFW, desta vez em Maputo, no início de dezembro, com três dias de duração. Tivemos estilistas moçambicanos e de diversos países africanos, e foi aí que começámos verdadeiramente a dar forma à nossa visão, que continuamos a perseguir até hoje.

O evento passou por várias fases ao longo destes 20 anos, desde a criação de mercado e do gosto pelo vestuário criado por estilistas moçambicanos, até à atual fase de criação de valor e à preparação para a internacionalização do próprio evento e de algumas marcas que acreditamos estarem prontas para iniciar esse processo.

Aliás, este último processo já tem dado passos com a parceria que temos com a FEDERMODA – Federação de Moda Italiana, o SAFW – South Africa Fashion Week.

Com a Federmoda enviamos para Itália anualmente 2 a 3 estilistas e com o SAFW iniciamos no ano passado uma nova relação levando pela primeira vez, 3 estilistas ao evento, esperando este ano provavelmente integrar 4 estilistas neste evento que é exclusivamente para estilistas sul africanos. Como em tudo na vida, são processos longos que levam o seu tempo, mas estamos determinados a continuar esta jornada.

PEP- Quais foram os principais desafios enfrentados no início da sua carreira de diretor do Moçambique Fashion Week e como os superou?

VR: Os desafios, meus amigos, foram muitos, gigantes até, mas com paixão ardente, dedicação incansável e um espírito de sacrifício que nos move, juntamente com o apoio de pessoas e marcas que acreditam naquilo que estamos a construir, conseguimos superar um obstáculo atrás do outro. Não tem sido uma caminhada fácil, pois um evento deste calibre, com estes propósitos grandiosos, requer matéria-prima, patrocínios, um mercado que esteja pronto para abraçar a criatividade e apoiar o seu crescimento. Lembrem-se que, lá atrás, quando começámos esta jornada, a última fábrica têxtil tinha fechado as portas, os modelos eram raros como água no deserto, os estilistas eram mais modistas do que artistas, com pouca formação e experiência para encantar um público ávido por novidades, e o próprio público não estava preparado para apreciar espetáculos de moda como mereciam.

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Até mesmo em termos de produção, faltavam-nos equipas. Portanto, contrariamente ao que seria “o normal,” tínhamos a cereja, mas o bolo ainda não existia. Foi aí que tivemos de criar o nosso próprio modelo, adaptado à nossa realidade. Um modelo que, apesar de ser diferente dos Fashion Weeks tradicionais que circulavam pelo mundo, conquistou reconhecimento internacional devido à sua audácia, criatividade, inovação e à forma como comunicava a moda.

É um grande feito quando produtores internacionais de renome decidem visitar Maputo para ver o nosso evento e perceber como fazemos as coisas, até mesmo adotando alguns dos nossos elementos únicos nos seus próprios espetáculos.

No fundo, seguimos uma estratégia que se revelou necessária para enfrentar cada desafio à nossa frente. Começámos do zero e desenvolvemos várias linhas de trabalho em paralelo. Criámos o Young Designer, o Designer Estabelecido, o programa MFW School, o MFW Kids. Introduzimos programas de formação para estilistas, trazendo profissionais da África do Sul e de Portugal para partilharem conhecimento. Estabelecemos parcerias com universidades de Design de Moda e apoiamos estilistas a tirarem cursos no estrangeiro. Construímos pontes com artistas plásticos, músicos, escritores, e desenvolvemos programas de educação cívica e social. Lançámos o MFW Challenges, permitindo que qualquer marca desafiasse criativamente os estilistas com um briefing próprio, oferecendo prestígio, trabalho e uma recompensa monetária para os estilistas investirem em matéria-prima, máquinas ou formação. Financiámos a ida de estilistas a Fashion Weeks de renome no estrangeiro para que pudessem compreender a dinâmica e aprimorar os seus espetáculos.

Recentemente, abrimos as portas para mais um programa, o MFW Experience, dando oportunidade a voluntários de diversas áreas para conhecerem os bastidores, melhorarem as suas habilidades e, se demonstrarem o seu valor, juntarem-se a nós.

Alguns dos nossos modelos até rumam ao estrangeiro através da DDB para enriquecerem a sua performance e conhecimento, tal como alguns membros da nossa equipa de produção.

Todas estas atividades são transmitidas na televisão e nas redes sociais ao longo do tempo, impulsionando o mercado, tanto interno como externo. Com tudo isto, começámos a demonstrar o papel vital da moda na economia, na sociedade e no impacto que pode criar. Estamos a abrir portas para marcas, para a sua relação com os consumidores e para a experiência como um todo, criando oportunidades para os jovens talentos criativos de Moçambique. A moda não é apenas vestuário, é uma linguagem que fala alto e claro sobre quem somos e quem queremos ser. E nós estamos a escrever essa história com paixão e determinação.

PEP- Como percebe o papel do Moçambique Fashion Week no desenvolvimento e promoção da moda no país e no continente africano?

VR: Acreditem, o MFW (Moçambique Fashion Week) tem desempenhado e continua a desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento da moda aqui em Moçambique. É como um motor que faz a última parte da engrenagem da indústria têxtil funcionar, algo que ainda não está completamente enraizado no nosso país. Na verdade, o MFW tem conseguido criar uma bela sinergia entre duas cadeias de valor: a têxtil e a criativa, porque, bem vistas as coisas, elas estão intrinsecamente ligadas.

Para além de ser uma montra para toda a criatividade moçambicana na moda, o MFW é um evento que alimenta sonhos em milhares de jovens das mais diversas áreas. Estilistas, modelos, fotógrafos, cabeleireiros, maquilhadores, técnicos de som e luz, produtores, camareiras, músicos, eletricistas, criadores de conteúdo, realizadores, entre outros. As oportunidades de emprego que este evento gera são vastas. A título de curiosidade, durante o evento, temos uma equipa de cerca de 300 pessoas a trabalhar incansavelmente.

Além dos empregos diretos, o MFW promove o gosto e o valor de vestir à moda moçambicana, uma realidade cada vez mais apreciada pelos moçambicanos e que também ganha destaque internacionalmente, fomentando indiretamente a criação e a geração de emprego indireto. Através de várias plataformas, este evento coloca o produto moçambicano e, de uma forma mais ampla, o produto africano sob os holofotes. Moçambique é um país africano com uma identidade única, e nos últimos anos, os produtos fabricados em África têm sido muito procurados em outros continentes. Isso é uma responsabilidade que todos nós, africanos, devemos ter em mente e considerar.

Mas não basta dizermos que somos africanos e que temos produtos para vender. Temos de olhar para a qualidade do nosso produto, para a distribuição e para todas as outras componentes que o mercado internacional exige. A busca pela excelência irá, com certeza, criar produtos de maior qualidade e impulsionar o desenvolvimento das cadeias de valor africanas, resultando em produtos genuinamente originais, desde as matérias-primas até ao produto final. Esta deveria ser uma exigência que os Fashion Weeks africanos adotassem na sua seleção e apresentação de estilistas para o mercado.

Na minha opinião, o mais importante é que as marcas africanas conquistem sustentabilidade nos seus próprios mercados antes de se aventurarem no mercado internacional. Há pouco tempo, defendi a ideia da criação de um evento africano em solo africano, e eventualmente, uma turné global que mostrasse África na sua plenitude, abrangendo moda, música, arte e gastronomia. Sei que pode parecer uma ideia ousada, talvez até ingénua, num mundo onde os egos muitas vezes falam mais alto, mas tenho a certeza de que isso poderia dinamizar todo o continente perante o resto do mundo.

Neste contexto, cada um de nós desempenha um papel importante. O MFW tem o papel de promover Moçambique, mas se o projeto “MFW One World” for bem-sucedido, quando sairmos, não será apenas a nossa identidade que estaremos a mostrar, mas sim a identidade da nossa mãe, da nossa origem, do nosso continente: África.

PEP- Quais são as técnicas utilizadas para manter o Moçambique Fashion Week como uma marca de referência em África?

VR: O Mozambique Fashion Week, ao contrário da maioria dos Fashion Weeks, é um evento de desenvolvimento e não comercial, pelo menos até agora. É um evento que se concentra em construir e fortalecer um ecossistema de moda. Portanto, ao longo dos anos, o MFW tem estabelecido algumas bases para este ecossistema em Moçambique, enquanto o apresenta ao mundo. Desta forma, estamos a impulsionar a autenticidade e a criatividade que brotam deste trabalho. Acredito sinceramente que um dos segredos do nosso sucesso reside na nossa capacidade de olhar para dentro, de forma contínua, à procura e promoção dos valores que surgem ano após ano, e de impulsionar o seu desenvolvimento futuro. O MFW oferece exposição, formação e divulgação, tanto a nível nacional quanto internacional.

Graças ao nosso conceito, à nossa consistência, à nossa resiliência, ao nosso compromisso e à inovação que trazemos ano após ano, conseguimos atrair a atenção e a admiração não só do nosso continente, mas também além-fronteiras. Recebemos inúmeros pedidos de estilistas de diferentes países que desejam vir a Maputo para apresentar as suas coleções. O próprio Swahili Fashion Week nasceu após o seu criador ter visitado Maputo, e hoje é uma referência em toda a África. Ambos os eventos fizeram parte da Commonwealth Fashion Council.

Portanto, não chamaria a isto simplesmente de técnicas, mas sim uma abordagem, uma forma de estar, que sempre aplicamos na realização do evento, bem como a responsabilidade com que enfrentamos cada edição. Estamos conscientes das dificuldades, mas sempre estabelecemos como referência eventos de topo a nível mundial. Essa diferença entre o que éramos e o que almejávamos ser sempre serviu de combustível para encurtar essa distância.

PEP- Poderia compartilhar com a Chocolate alguns momentos destacados que marcaram as edições anteriores do evento?

VR: Foram tantos e tantos momentos que ficaram gravados na memória destas 19 edições do evento que é difícil até enumerá-los todos. Construímos experiências verdadeiramente inesquecíveis, daquelas que as pessoas não conseguem parar de recordar, e que até deixam aqueles que apenas ouviram falar delas boquiabertos.

Os desfiles aconteceram em diversos cantos da nossa querida cidade de Maputo e deixaram a sua marca de forma inigualável. Mostrámos ao mundo a beleza dos lugares que esta cidade centenária tem para oferecer. Desde as escadarias do Conselho Municipal de Maputo, tanto por fora como por dentro, até à majestosa fortaleza de Maputo. Não podemos esquecer o icónico Hotel Polana e até mesmo a estação de comboios dos CFM. E claro, os desfiles à beira-mar, no Hangar, e até na pista do Aeroporto Internacional de Mavalane. Foram momentos verdadeiramente únicos que vão ficar para sempre na nossa memória. Quem se lembra da vez em que um comboio apareceu na estação com uma passerelle, e os modelos começaram a desfilar à frente dos convidados? Ou quando um avião se aproximou e parou mesmo em frente à plateia, com os modelos a descerem das escadas para dar início ao Fashion Show? São memórias que perduram no tempo. No caso do comboio, só mesmo em Paris se terá vivido algo semelhante, embora em menor escala, com Jean Paul Gaultier. Quanto ao desfile no aeroporto, é difícil acreditar que haja algo parecido em qualquer parte do mundo, até hoje.

Mas não ficamos por aí. Ao longo do ano, há momentos que também se destacam, como a seleção de estilistas e modelos para participarem na Milan Fashion Week, em Roma e Rimini, no Portugal Fashion, no South Africa Fashion Week, ou até mesmo o envio de um estilista para uma escola de moda em Paris. Não podemos esquecer o reconhecimento internacional que o evento recebeu através de vários prémios de comunicação.

No entanto, o que mais nos enche de orgulho é ver o crescimento de tantas marcas moçambicanas que nasceram ao longo destes anos. Estas marcas têm enfrentado desafios internos e externos com uma determinação incansável, procurando constantemente alcançar novos patamares e conquistar mercados cada vez mais exigentes. É para isso que trabalhamos, é isso que nos motiva, e é por isso que estamos aqui.

PEP- Qual é a sua perspectiva sobre a inclusão e diversidade na indústria da moda, especialmente em Moçambique, e como o Moçambique Fashion Week aborda essa questão?

VR: Desde os primórdios, o MFW (Mozambique Fashion Week) sempre teve a ambição de ser mais do que um simples evento de moda. Quisemos ser uma voz, uma referência em várias questões que afetam a nossa sociedade.

Violência doméstica, o desafio enfrentado pelas pessoas com albinismo, o combate ao cancro de pele e de mama, a sensibilização sobre gravidez prematura, o repúdio à venda de crianças e tantos outros temas foram abraçados pelo MFW. E para abordar essas questões, direcionámos a nossa mensagem a um público muito específico, as mulheres, sabendo que elas têm o poder de moldar o mundo.

A diversidade e a inclusão são valores que sempre estiveram no nosso ADN. Desde modelos com deficiências motoras, a modelos com medidas que desafiam os padrões estabelecidos, o MFW tem aberto as portas para todos. Nos nossos castings, nas equipas de produção, encontram-se mulheres liderando áreas cruciais para o sucesso do evento. E quando se trata da comunidade LGBTQ+, sempre fomos pioneiros em abrir espaço para que eles possam mostrar a sua criatividade e forma de expressão. Somos e sempre seremos um evento inclusivo, onde todos são bem-vindos, desde que haja respeito mútuo.

O nosso único requisito é simples: respeitar tudo e todos. É isso que faz do MFW um lugar onde a moda se cruza com a consciência social, onde a beleza se encontra com a igualdade, e onde o estilo se entrelaça com a diversidade.

PEP- Como o evento aborda a questão da sustentabilidade na moda? Existem iniciativas específicas ou parcerias que promovam práticas mais sustentáveis?

VR: O MFW, como mencionei antes, nunca se limitou apenas à moda. Desde o início, tínhamos a visão de desempenhar um papel relevante na promoção e sensibilização das questões sociais que moldam o nosso mundo. A sustentabilidade é uma dessas questões e, ao longo dos anos, realizamos workshops com especialistas e desafios, os chamados “MFW challenges”, para ajudar os estilistas a abraçar esta nova realidade, compreender os novos materiais e tendências.

Numa das edições, decidimos fazer uma passerelle verdadeiramente única. Ela foi construída com 5.000 mosaicos feitos a partir de 250.000 cápsulas de garrafas de plástico recicladas. Decoramos o evento com impressionantes esculturas de animais marinhos, cada uma com 6 metros de altura e iluminadas por painéis solares. Esta iniciativa estava ligada a uma campanha de sensibilização que lançamos, chamada “Unwanted fashion”, que alertava para o problema do lixo nos oceanos. Recentemente, essa campanha foi destacada pela plataforma GoodAdsMatter.

Acreditamos que ter a plataforma do MFW nos dá a oportunidade de levantar a voz em defesa de questões importantes que afetam a todos nós. A moda, em nossa visão, é uma ferramenta poderosa de transformação, e usamos a nossa plataforma para amplificar essa voz.

Lembro-me de um artigo escrito por um destacado profissional sul-africano que esteve em Maputo no segundo ano do evento. Esse artigo foi publicado na revista Pursuit em 2007 e comparava o MFW com diversos fashion weeks do mundo. Ele terminava com uma pergunta instigante: “Pode a moda ser uma ferramenta de desenvolvimento num país onde o salário mínimo é de cerca de 3 dólares por dia?” A resposta, meu amigo, foi dada e é um claro sim. O MFW é a prova viva disso.

PEP- Além do aspecto estético, de que forma o Moçambique Fashion Week contribui para o impacto social e econômico na comunidade local?

VR: Não consigo, de forma palpável, transmitir o verdadeiro impacto do MFW (Mozambique Fashion Week) neste país incrível. É algo que queremos investigar num estudo em breve.

No entanto, posso dizer-vos que o impacto está aí, é visível, e pode ser sentido pelo número crescente de pessoas envolvidas na indústria da moda em Moçambique.

Desde as empresas que importam tecidos e todos os acessórios indispensáveis até às talentosas costureiras e aos designers de texturas e padrões que trabalham em colaboração com os estilistas, passando pelos modelos, fotógrafos e muitos outros que têm vindo a trilhar os seus caminhos em várias áreas relacionadas com a moda. O mercado moçambicano tem visto o surgimento de várias marcas nacionais, algumas das quais já exportam os seus produtos para além-fronteiras. O gosto por vestir à moda moçambicana, incentivado pelo MFW, tem contribuído para o desenvolvimento deste setor. As pessoas estão mais interessadas na moda e na sua relevância, o que tem impulsionado o aparecimento de novos modelos de negócio, adaptados à realidade local.

A indústria da moda é um gigante global, movimentando trilhões de dólares anualmente. Segundo um estudo da UNESCO publicado em 2023, com dados de 2020, Moçambique importou cerca de 230 milhões de dólares em têxteis, roupas e sapatos naquele ano, exportando cerca de 70 milhões de dólares. Embora haja uma grande diferença entre as importações e exportações, quando comparamos com outros países da região sul de África, percebemos que muitos deles enfrentam desafios ainda maiores. Há um longo caminho a percorrer, e como mencionei anteriormente, acredito que podemos criar muitos empregos para os jovens moçambicanos e africanos nesta indústria, o que é fundamental.

Acredito que o governo de Moçambique está atento a este potencial e tem implementado programas de industrialização que abrangem várias indústrias, incluindo a do algodão. Este é, sem dúvida, um passo significativo na criação de dezenas de milhares de oportunidades de trabalho e no desenvolvimento contínuo da indústria da moda no país. Estamos no caminho certo, e o futuro parece brilhante para a moda moçambicana.

CH- Quais são as expectativas para o futuro da moda em Moçambique? Como vê o papel contínuo do Moçambique Fashion Week nesse contexto?

VR: Eu vejo o futuro da moda em Moçambique como um horizonte promissor, repleto de jovens talentosos e uma rica paleta de matérias-primas que podem dar um toque único e acrescentar valor à nossa moda. É a fusão da habilidade de trabalhar com tecidos e a criatividade de artistas plásticos, é o encontro de cores e geometrias que saltam das telas para os tecidos, é a expressão da cultura tradicional que dança com visões mais modernas. São padrões, formas e histórias, são telas que caminham e revelam a profunda riqueza cultural de Moçambique.

Mas tudo isso só se tornará realidade e evoluirá se abraçarmos a inovação. Dependerá fortemente de pilares como educação, formação, desenvolvimento da cadeia de valor, qualidade do produto e capacidade de colocação no mercado. Portanto, é crucial melhorar e revigorar a formação dos futuros profissionais da moda, desde as bases até às técnicas mais avançadas. Da Agrofashion à Blue fashion, os novos talentos perceberão a importância de trabalhar em equipa, criar produtos inovadores e acrescentar valor.

Formar uma nova geração de profissionais, incluindo modelos, agentes, especialistas em desenvolvimento de negócios, marketing de moda e gestores de produtos, é essencial. Acredito que as várias empresas e indivíduos envolvidos neste setor deveriam unir forças em torno de um objetivo comum, deixando de lado interesses individuais. Essa abordagem colaborativa seria, sem dúvida, o catalisador para acelerar o progresso da moda em Moçambique.

Portanto, vejo o papel do MFW neste contexto como fundamental para construir uma cadeia de valor inclusiva, fomentar a inovação e criar muitos empregos, além de gerar receita para a nossa economia. É uma jornada emocionante que temos pela frente, e estou ansioso para ver o que o futuro reserva para a moda em Moçambique.

PEP- Que conselhos daria aos jovens designers e profissionais que desejam seguir uma carreira na moda em Moçambique e no mundo?

VR: A dica que vos lanço é esta: estudem até mais não, foquem-se nos vossos sonhos e desejos com fervor. Sejam persistentes e mantendo sempre a humildade, saibam esperar com serenidade pela vossa hora de brilhar. Não se apressem a cruzar a linha de chegada, antes escolham trilhar um caminho sustentável rumo aos objetivos que traçaram. O tempo, meus amigos, é um aliado precioso; não há necessidade de correr afoitamente, mas sim de percorrer a jornada com consistência, para alcançar o que se propuseram.

Claro, não nego que os desafios persistem, mas hoje, ao contrário de há duas décadas, a juventude dispõe de várias ferramentas de apoio para crescer e destacar-se neste mundo competitivo e em constante mutação. Não há razão para temer o porvir, pois o futuro é sempre moldado a partir do presente. O horizonte está aí, pronto para ser explorado. Portanto, estudem, sonhem e persigam os vossos objetivos com fervor, pois o mundo é vosso para conquistar.

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